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sábado, abril 05, 2014

A riqueza e a miséria de Coari

Sob a gestão do prefeito Adail Pinheiro (PRP), o segundo município mais rico do Amazonas tem alguns dos piores indicadores de desenvolvimento do Estado

Com as denúncias sobre uma rede de exploração sexual de crianças e adolescentes no município de Coari, a 363 km de Manaus, que teria o próprio prefeito Adail Pinheiro (PRP) e funcionários da administração municipal à frente, a corrupção e a ineficiência da gestão local ficam, mais uma vez, a nu.
Dados divulgados no ano passado mostram que Coari, que possui o 2º PIB do estado, devido à exploração de gás natural e petróleo, que teriam gerado cerca de R$ 71 milhões em royalties em 2013, segundo a Agência Nacional do Petróleo, Gás Natural e Biocombustíveis (ANP), a cidade está em 21º lugar no Índice de Desenvolvimento Humano Municipal (IDH-M) do estado, com indicadores que o levantamento classificou como “baixos”, em julho do ano passado.

A situação contrasta fortemente com a riqueza do município. Com repasses de mais de R$ 48 milhões pelo governo estadual* e R$ 144 milhões do governo federal* – entres os quais a arrecadação dos royalties –,  para uma população de 77 mil pessoas, Coari teria recursos de sobra para investir em educação, saúde e infraestrutura. Não é o que acontece.

As denúncias de uso de veículos a serviço do poder público por particulares, entre eles o prefeito Adail, evidenciam o descaso da prefeitura no atendimento às necessidades básicas da população. No ranking do Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (Pnud), que avaliou o IDH-M, a educação do município recebeu a classificação “muito baixo”. O perfil de Coari no levantamento mostra que pouco mais de 20% dos adultos do município chegou a completar o ensino médio – 24% da população abaixo dos 25 anos é completamente analfabeta.

Fonte: ACritica

Caso Coari: conheça as dificuldades em combater redes de exploração sexual de crianças e adolescentes

                               Créditos: Leonardo Morais 
Yuri Kiddo, do Promenino com Cidade Escola Aprendiz
 
Banhado pelo rio Solimões e no coração da floresta amazônica está o município de Coari. A pouco mais de 300 quilômetros de Manaus, na cidadezinha do interior do Amazonas, vivia Iara [nome fictício], menina de 13 anos de idade e gostos comuns. A partir de um convite, ela entrou em uma rede de exploração sexual. Aos 16 ela foi encontrada morta por overdose de cocaína em um quarto de motel na capital amazonense. O caso levantou suspeitas porque Iara “mal bebia cerveja”, segundo relatos de familiares, vizinhos e amigos. 
 
Assim como ela, outras garotas de Coari tiveram um final parecido ou estão sendo ameaçadas e sob a proteção para vítimas e testemunhas do Estado. No caso de Iara, três dias antes de morrer ela havia denunciado uma rede de exploração sexual, que envolveria o prefeito do município, Adail Pinheiro. 
 
Provisoriamente preso há quase um mês, o prefeito, membro do Partido Republicano Progressista (PRP), está em seu terceiro mandato e é réu em pelo menos 70 processos que tramitam na Justiça do Amazonas. Entre as denúncias, estão corrupção, pedofilia e exploração sexual de crianças e adolescentes. Além dele, outros cinco suspeitos também foram detidos, todos de cargos públicos da região. 
 
“Há um indício muito forte de que a rede que serve o prefeito é estimulada ou alimentada por recursos públicos”, afirma a presidente da Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) de Exploração Sexual de Crianças e Adolescentes, Erika Kokay. Para a deputada federal é necessário uma ação mais ampla. “Só o afastamento do prefeito é insuficiente, precisamos de intervenção no município. [A rede] É um corpo muito grande que funciona sem a cabeça.”
 
Segundo a defesa de Adail Pinheiro, o ex-prefeito é inocente de todas as acusações. Em entrevista à Rádio Amazonas FM, o advogado de Pinheiro, Alberto Simonetti, afirmou que as acusações divulgadas pela mídia são “fantasia” e que há uma disputa política por trás. “O município de Coaria é estratégico no estado e ninguém pode se iludir que não há segundas intenções em tudo o que está se fazendo.” 
 
“Parados no tempo”
 
Renato Souto, do MNDH, aponta a dificuldade em desmantelar a rede e acredita somente na intervenção de órgãos internacionais, como a Organização das Nações Unidas. “Estamos há muito tempo lutando para que isso seja apurado. O prefeito nunca foi julgado e não houve justiça. Aqui no Amazonas a lei não funciona, o que reina chama-se corrupção, suborno e outras práticas criminosas sustentadas com dinheiro público.” O Conselho Nacional de Justiça e a Secretaria de Direitos Humanos da Presidência da República solicitaram que o caso seja tratado pela Justiça Federal. 
 
Mais esperançosa, a presidente da CPI, Erika Kokay, está solicitando uma intervenção estadual para limpar a máquina pública. “Precisamos assegurar um posicionamento mais célere da própria Justiça. É difícil que aja esse nível robusto de violação e exploração sexual sem a conivência ou nível de participação – mesmo que pelo silêncio – de outros segmentos do Estado.” 
 
Como forma de prevenir novos casos, a cidade foi inclusa no Programa de Ações Integradas e Referenciais de Enfrentamento à Violência Sexual de Crianças e Adolescentes (Pair), do governo federal. A iniciativa traz ações voltadas para prevenção e enfrentamento de violência sexual contra crianças e adolescentes. 
 
Para os especialistas, as redes de exploração sexual só podem ser desarticuladas se a lei for cumprida. “As políticas públicas já existem, mas não são executadas em nenhum nível, seja municipal, estadual ou federal. Mas também, quando há formação e capacitação técnica, falta infraestrutura”, afirma Marlene. Benedito dos Santos ressalta a importância da isenção dos órgãos locais é fundamental entretanto, “quando há comprometimento dos órgãos de segurança e autoridades, pode-se acionar a Polícia Federal”.
 
“Enquanto os políticos não tomarem as decisões necessárias para exercer a lei e avançar no discurso e nas ações, os exploradores estão muito mais atualizados, desenvolvidos e espertos, enquanto nós estamos parados no tempo”, aponta a socióloga, que inclusive está jurada de morte em uma capital brasileira. “Eu, uma única pesquisadora, cheguei e consegui descobrir uma rede de cafetões nesta cidade e a polícia não?”
 
Infância à venda
 
Poder, fetiche, impunidade, vulnerabilidade socioeconômica das vítimas ou pura oportunidade de comércio. Para especialistas, esses são os principais fatores que favorecem o surgimento da rede de exploração sexual. “Alguns exploradores têm dinheiro e outros não, mas sempre há alguma forma de poder”, afirma a socióloga Marlene Vaz, que pesquisa o tema desde a década de 1970. 
 
Segundo o professor e pesquisador da Universidade Católica de Brasília, Benedito dos Santos, também consultor do Unicef, as redes se iniciam com a ação de um aliciador local em busca de lucro. “As pessoas se juntam, principalmente, por uma oportunidade financeira. O aliciador cria conexão com taxistas e redes hoteleiras, por exemplo.” 
 
A indústria de entretenimento também pode fomentar a exploração sexual de crianças e adolescentes. São bares, restaurantes e boates que aliciam meninas com menos de 18 anos para programas. Além disso, há ainda o turismo. Na região do Amazonas, por exemplo, o turismo de pesca é muito forte e há relatos de programas com meninas que chegam a custar R$ 10 mil para estrangeiros. “Existe muito arraigado o turismo interno de negócios, da pescaria, das convenções, por exemplo, que se beneficia e incentiva a exploração sexual. Isso acontece bastante na região central do Brasil”, explica o consultor do Unicef. 
 
Durante pesquisas sobre o tema, a socióloga relata ter percebido que o peso do poder político nas redes de exploração sexual. “Há muita facilidade e poder nas mãos desses grupos que se envolvem com exploração. Encontrei muitos anúncios em jornais, em Brasília, oferecendo acompanhantes, mas que na verdade estão oferecendo exploração sexual de adolescentes para políticos”, afirma. “Há ainda casos de desfiles de meninas em Porto Velho (RO), promovido por um vereador, para deputados e magistrados escolherem qual delas eles irão explorar.” 
 
A relação de poder também pode ser oriundo da influência do explorador sobre a vítima, não envolvendo poder econômico ou político. É o caso, explica a pesquisadora, quando há o envolvimento de professores que aliciam alunas. “O professor também utiliza a posição para exercer poder e sedução em sala de aula.” 
 
Segundo Marlene, as pessoas mais envolvidas em casos de exploração sexual são as que sofreram algum tipo de violência sexual na infância; os pedófilos - que possuem um transtorno metal --; e os circunstanciais. “Esse último grupo é o principal, são aqueles educados que o poder dele está sobre minorias, em especial meninas e mulheres”, aponta. “Então quando o cara tem sua autoestima abalada, ele cria uma pseudo autoestima exercendo poder sobre o sexo e violência em prostíbulos e em casa, no próprio lar”, analisa a socióloga. 
 
A questão cultural também pesa, de acordo com Santos. “Há muitos mitos sexuais ao redor da juventude brasileira que precisam ser revisados na nossa cultura, como o fetiche da virgindade. Uma pessoa que tem consciência de direitos e das consequências para as crianças e adolescentes não busca conforto sexual nesse tipo de relação.” Segundo os entrevistados, o comportamento de quem consome o sexo pode vir de uma sociedade de consumo e que transforma a mulher em objeto, herança da barbárie crônica medieval e coronelista ainda muito presente.