21-Mai-2008
Polícia Federal montou uma operação de guerra para trazer o dinheiro encontrado em Coari para Manaus. De acordo com agentes que fizeram a apreensão, a quantidade é tão grande que impressionou a todos os policiais que estiveram na cidade
Um dos agentes que descobriu o volume disse que nunca tinha imaginado que “pudesse existir tanto dinheiro num mesmo espaço”.
Orlando Farias
Equipe do Em Tempo
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A “Operação Vorax” já tinha quase 12 horas de duração quando os agentes da Polícia Federal fizeram uma descoberta de estarrecer: a apreensão de uma “montanha de malas com dinheiro”. Foi assim que o coordenador da ação, Jocenildo Cavalcante, anunciou o fato. O dinheiro foi encontrado numa casa do conjunto Naíde Lins, em Coari. Um dos agentes federais que descobriu o volume disse para o coordenador da operação que nunca tinha imaginado que “pudesse existir tanto dinheiro num mesmo espaço”.
O delegado Jocenildo Cavalcante admitiu que pelas informações dos policiais federais em ação em Coari, o volume de dinheiro pode ser um recorde nacional. A quantidade é tão grande que, segundo o coordenador, ficou impossível de ser contado em Coari ou mesmo ser transportado de avião.
Toda a “montanha de dinheiro” pertence ao esquema de fraude e sonegação fiscal montado no município. A informação foi confirmada diretamente pelo superintendente da Polícia Federal, delegado Sérgio Fontes, que, apesar da experiência de ações anteriores, confessou-se impressionado com os relatos. “Segundo eu fui informado, é algo que nunca se viu”, decretou.
O superintendente revelou que o dinheiro foi encontrado a partir de investigações desenvolvidas durante o decorrer do dia de ontem, após as prisões. “Conforme você vai investigando a fundo, as informações vão aparecendo”, destacou o superintendente.
A pista surgiu com os auxiliares do prefeito Adail Pinheiro presos em Coari. Eles chegaram a Manaus a bordo do Embraer-145, avião que ironicamente foi confiscado do megatraficante Fernandinho Beira-Mar. Agentes federais que acompanharam os presos informaram que um deles, um empresário, recorreu ao expediente da delação premiada.
Esse empresário informou a localização de dois novos endereços, além dos 48 onde a PF realizou mandados de busca e apreensão. Na primeira casa, os agentes federais encontraram literalmente o primeiro tesouro: farta documentação sobre as atividades do esquema financiado pelos royalties do petróleo. Da mesma forma que o dinheiro, os papéis só poderão ser manuseados quando chegarem a Manaus. “São muitos e muitos documentos”, reconhece Jocenildo Cavalcante.
Como será impossível trazer tanto dinheiro e documentos de avião, eles serão transportados de barco, de Coari para Manaus, protegidos por uma tropa literalmente armada até os dentes: os 120 agentes federais que atuaram na cidade do gás natural, durante todo o dia de ontem, efetuando buscas, apreensões e prisões.
PF vai prender mais envolvidos
Segundo o delegado coordenador da ação, Jocenildo Cavalcante, a partir do depoimento dos acusados, mais prisões podem ser realizadas. “É necessário que se entenda que as prisões são medidas de caráter extremo. Investigando a participação dessas pessoas nos crimes e avaliando profundamente depoimentos e outras provas poderemos pedir ou não as prisões temporárias”, esclareceu.
As perícias do CGU demonstram, ainda, que somente em 2001 foram realizados pagamentos e saques injustificados da Prefeitura de Coari, sendo que R$ 5,5 milhões foram executados sem suporte documental, causando desfalque ao erário. Em seu relatório definitivo, a controladoria informou que somente no exame amostral realizado ficou comprovado o emprego de notas fiscais inadequadas no valor de R$ 1,5 milhão. Porém, a investigação detectou que somente para cinco empresas foram repassados recursos de mais de R$ 49 milhões. De acordo com a PF, as cinco empresas são Amcom, JBL/Coman, Geométrica, Murai e Mercúrio.
Investigação detalhada
“A investigação é como uma fruta: ela só é colhida quando está madura”. Com essa frase, o superintendente da Polícia Federal no Amazonas, Sérgio Fontes, explicou o porquê de o órgão não ter deflagrado antes uma operação para desbaratar um esquema que, segundo a PF, estaria fraudando licitações no município de Coari. Numa entrevista ao EM TEMPO, após a coletiva à imprensa, o superintendente admitiu que é possível até mesmo que políticos tenham se beneficiado de várias maneiras das fraudes para suas atividades.
Quem disparar contra essa operação pelo fato de ela ser realizada em pleno ano eleitoral, o superintendente pretende desmontar o argumento com uma lógica curta e grossa: “Todo ano é ano eleitoral”. Melhor dizendo, como ele explicou, as eleições são de dois em dois anos. Ocorre que um ano antes do pleito é sempre um ano eleitoral porque o processo é antecipado.
Quanto “à colheita do fruto da investigação”, o superintendente afirmou que o trabalho da investigação é metódico feito com muita calma para não cometer falhas. “Um irmão do prefeito (Adail Pinheiro) comandava todo o esquema de maquiagem nas licitações”, destacou o superintendente. “As licitações em Coari não passavam de mera montagem”, diz ele.
“O volume de material que recolhemos nesses mais de dois anos é muito vasto em termos de provas”, atesta o delegado amazonense. Ele negou que a primeira grande operação sob a sua gestão tenha carimbado um “estilo Sérgio Fontes”.
Como coordenador de operações, ou como simples investigador, ele disse que tem lutado para o cumprimento da lei.
Operação parou a cidade
Coari – De acordo com o delegado da Polícia Federal que comandou a “Operação Vorax” em Coari, Geraldo Scarpellini, foram expedidos 15 mandados de busca e apreensão e seis de prisão no município de Coari. Foram presos o ex-secretário Municipal de Defesa Social e Chefe de Segurança do prefeito Adail Pinheiro, Antônio Maria Aguiar Nascimento; o secretário de Obras, Paulo Bonilla, e seu adjunto, Paulo Sérgio Chagas; a secretária de Finanças, Rome Sineide Gomes Melo; o empresário Cesário Menezes e o funcionário da Comissão de Licitações Walter Braga Ferreira.
A PF apreendeu documentos, computadores e cópias de documentos licitatórios, que comprovariam grande parte das acusações apontadas nas investigações.
Durante a operação centenas de pessoas, simpatizantes ou não do prefeito, divididas em dois grupos ruidosos, se aglomeraram em frente à prefeitura de Coari e no aeroporto. Noventa homens da PF participaram da operação em Coari e 16 veículos foram utilizados na ação.
Festas falsas
O chefe de serviço de Fiscalização da Receita Federal, Marcos Neto, informou que, durante as investigações, foram detectados desvios de verba pública na realização de eventos na cidade de Coari. De acordo com Jocenildo Cavalcante, Coari vem se popularizando como um dos pólos festivos e econômicos do Amazonas nos últimos anos. Ele classificou o fato como ‘desrespeitoso’. “É um descaso total com a coisa pública, um desrespeito com o povo sofrido de um município notadamente rico”, disse.
Nota oficial
Em nota oficial, a assessoria de comunicação da Prefeitura de Coari informou que o prefeito tomou conhecimento dos fatos por meio da imprensa. Atualmente ele está em Brasília, em viagem de caráter oficial, participando de uma marcha da Frente Nacional de Prefeitos.
Segundo a assessoria da prefeitura, o prefeito teria determinado a todos os secretários municipais que os documentos da prefeitura e de suas secretarias fossem “franqueados à Polícia Federal, a fim de esclarecer a verdade”. A nota disse ainda que Adail também se “coloca à disposição para quaisquer esclarecimentos”.
Não foi divulgado quando o prefeito voltará a Manaus.