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segunda-feira, dezembro 26, 2011

Mitouso tem medo de morrer

Para chegar ao gabinete do prefeito de Coari, a reportagem  atravessou três portas que permanecem trancadas e vigiadas por seguranças, guardas municipais e um policial fardado. Mitouso tem medo de morrer. Na noite de 5 de agosto, em Manaus, ocupantes de um Palio atiraram 11 vezes contra a picape em que ele estava. Foi baleado na nuca e no pescoço. Uma bala atingiu a testa do segurança, que também não morreu.
 
Sérgio Torres e Fábio Motta - O Estado de S.Paulo
 
Recém-condenado a oito anos de prisão pelo assassinato do ex-prefeito Odair Carlos Geraldo, o prefeito Arnaldo Mitouso (PMN) afirma que o dinheiro dos royalties é insuficiente para fazer uma boa administração em Coari. Ele, que em agosto passado sobreviveu aos ferimentos de dois tiros disparados em um atentado, disse que, em 2012 pedirá verba ao governo federal para construir sete creches, orçadas em R$ 8,4 milhões, e uma Unidade de Pronto Atendimento (UPA). Quer também que a Petrobrás ajude financeiramente os projetos sociais da prefeitura.
À frente da administração municipal desde 2009, quando venceu eleição suplementar convocada após o afastamento do prefeito anterior, Mitouso, de 53 anos, culpa seus antecessores por todos os problemas que assolam hoje a população de Coari. Quando assumiu, disse, "as ruas estavam todas estouradas".
"Aqui há muitas carências. Em toda cidade, quando vem o desenvolvimento, vêm os problemas. Coari, até 25 anos atrás, era pacata. Após a descoberta do petróleo virou uma espécie de garimpo. Milhares de pessoas vieram para cá", disse Mitouso.
Segundo ele, o recebimento dos royalties do petróleo trouxe uma expectativa muito grande, que passa uma imagem enganosa da realidade da cidade. "Dá a impressão de que Coari não precisa de ajuda. A realidade não é bem assim. A Petrobrás não tem nenhuma parceria com a prefeitura. As administrações anteriores tiveram um monte de problemas. A Petrobrás ficou arredia. Espero parcerias com ela em 2012", disse ele, ex-bancário que exerceu dois mandatos de vereador e planeja disputar a reeleição no ano que vem.
A sete chaves. Para chegar ao gabinete do prefeito de Coari, a reportagem do Estado atravessou três portas que permanecem trancadas e vigiadas por seguranças, guardas municipais e um policial fardado. Mitouso tem medo de morrer. Na noite de 5 de agosto, em Manaus, ocupantes de um Palio atiraram 11 vezes contra a picape em que ele estava. Foi baleado na nuca e no pescoço. Uma bala atingiu a testa do segurança, que também não morreu.
Mitouso credita o atentado que sofreu "à briga política" que existe em Coari. Ele conhece bem o assunto. Em 22 de novembro passado, o Tribunal de Justiça do Amazonas o condenou por considerá-lo culpado da morte a tiros do ex-prefeito. O crime ocorreu em agosto de 1995, no plenário da Câmara de Vereadores. Como está recorrendo contra a condenação ao tribunal, ele não foi preso. Se perder o recurso, irá ao Superior Tribunal de Justiça (STJ).
Mitouso admitiu ter disparado contra Geraldo, mas disse que os tiros fatais não partiram de seu revólver. "Tive problemas quando fui vereador. Eu era oposição ao prefeito."
Ele tem outra versão para o que ocorreu há 16 anos: "Tentaram me atacar. Levei dois tiros e disparei duas vezes. (...) Eu portava um revólver 32. No corpo dele (Odair Carlos Geraldo) recolheram duas balas de 22. Foi um tiroteio. Mas eu não matei ele", assegurou.
O principal inimigo político de Mitouso atualmente é o ex-prefeito Adail Pinheiro, que em 2008 foi preso pela Polícia Federal (PF) - ele foi acusado de participar de um esquema que envolvia desde o desvio de verbas públicas à exploração da prostituição infantil.
Em uma casa que seria do ex-prefeito, os agentes encontraram, escondidas no forro, sete malas cheias de dinheiro, totalizando R$ 7 milhões. Pinheiro não foi localizado pela reportagem. No inquérito, sempre negou envolvimento nos crimes investigados pela Polícia Federal. Ele ainda não foi julgado. O dinheiro continua apreendido. Ninguém se apresentou à PF dizendo-se dono dele.
Desde 2008, as contas de Coari não são julgadas pelo Tribunal de Contas do Amazonas. As análises técnicas sugerem a necessidade de uma rejeição formal à contabilidade apresentada pela prefeitura nos últimos três exercícios, mas os conselheiros ainda avaliam as justificativas apresentadas. A auditoria sobre o exercício de 2010 listou pelo menos cem irregularidades em licitações, contratação de funcionários e contratos variados.
Investigações. Coari é uma "operação de guerra" para o tribunal, na definição de um técnico ouvido pela reportagem. Este ano, foram deslocados para a cidade oito especialistas em finanças, contratos, licitações, gestão de pessoal, administração pública e obras, protegidos por seguranças de fora. Aos demais municípios, são enviados no máximo três auditores.
Autor de oito ações civis públicas contra o prefeito por improbidade, o promotor José Fish evita se expor em público. "Estou com medo", disse ele, que em abril teve a casa arrombada. "Derrubaram uma parede a marretadas. Picharam tudo, roubaram equipamentos, roupas." Fish, de 35 anos, conta que nem em cidades na fronteira com Colômbia e Peru, onde também trabalhou, sentiu-se tão assustado como em Coari.
"No mês passado, eu comprei uma arma e estou fazendo curso de tiro. Nunca pensei em andar armado, mas tenho que me defender de alguma forma. Abandonei as caminhadas diárias. Saio do fórum às 17 horas, junto com todos os funcionários. Não fico sozinho lá de jeito nenhum. Não tenho nenhuma segurança. Estou processando 12 dos 35 policiais da cidade por tortura", afirmou o promotor.
Fish pede, em ação civil pública à Justiça, o afastamento do prefeito. A ação aponta Arnaldo Mitouso como responsável pela contratação de um escritório de advocacia para defender judicialmente a prefeitura.
Assinado em janeiro de 2010, com vigência de um ano, o contrato estipula um total de R$ 720 mil em remuneração ao escritório. "Os sócios do escritório são dois assessores diretos do prefeito. Além disso, a contratação não se justifica, porque a prefeitura tem uma procuradoria cuja função é defendê-la na Justiça", disse o promotor.
A Prefeitura de Coari informou apenas que o contrato já foi anulado, mas não comentou o motivo da contratação do escritório.

 Fonte: O Estado de S.Paulo

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