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domingo, dezembro 25, 2011

Riqueza do petróleo não chega à população de Coari

Município amazonense que mais recebe royalties fora do Sudeste enfrenta graves problemas sociais

24 de dezembro de 2011 | 17h 11
 Sergio Torres e Fábio Motta, de O Estado de S. Paulo
COARI (AM) - A cidade em que peixes, frutas e legumes são lavados no esgoto e expostos no chão é a que mais recebe royalties do petróleo fora do Sudeste brasileiro. A amazonense Coari arrecadou R$ 318,73 milhões desde 2005, pela exploração de óleo e gás em seu território. De janeiro a novembro deste ano a prefeitura faturou R$ 52,64 milhões, três vezes mais do que a capital Manaus (R$ 16,99 milhões). A falta de higiene no manuseio de alimentos é só um indicativo de que, embora rico, o município enfrenta problemas sociais muito graves, provocados por má gestão e desvio de verbas públicas. (veja mais detalhes no vídeo abaixo).

Peixes ficam no chão e são lavados com água suja - Fábio Motta/AE
Fábio Motta/AE
Peixes ficam no chão e são lavados com água suja
O hospital, a maioria das escolas, a estação de tratamento e o aterro sanitário são prédios novos que, por falta de equipamentos e profissionais, ou não funcionam ou prestam serviços de qualidade muito ruim. Esse quadro equipara Coari aos índices sociais de outros municípios do Amazonas. Só que a cidade é a sede da Província Petrolífera de Urucu, reserva explorada pela Petrobrás que armazena 17,6% do gás natural produzido no País. Os royalties pagos a outros municípios do Estado podem ser considerados irrisórios perto das quantias recebidas por Coari nos últimos sete anos.
No ranking de 2011 da Agência Nacional do Petróleo, Gás Natural e Bicombustíveis (ANP) Coari aparece na 17.ª colocação, atrás apenas de municípios do Rio de Janeiro, Espírito Santo e São Paulo, beneficiados pela proximidade com as bacias petrolíferas de Campos e Santos. Embora haja dinheiro - royalties de R$ 4,78 milhões por mês, em média, desde o início do ano -, as benesses dessa riqueza não são percebidas no cotidiano de Coari.
Episódios recentes evidenciam bem o problema. No início do mês, a frota de 46 veículos a serviço da prefeitura foi apreendida judicialmente por falta de pagamento à empresa que os alugou. Três balsas lotadas de picapes, caminhões, micro-ônibus, motos e carros com a logomarca da administração municipal partiram para Manaus. Das três ambulâncias da frota, duas foram levadas. A que restou, antiga, não tem condições de uso.
"Minha empresa quebrou. Os carros foram todos sucateados, 14 tiveram que vir no reboque", protesta o empresário Giusepp Amore, dono da Amore Rent a Car, na capital do Amazonas. Ele não revelou o valor da dívida contraída pela prefeitura, estimada em cerca de R$ 2 milhões em Coari. Diz apenas que o governo municipal não lhe pagou nove meses do contrato de locação.
A Petrobrás fechou seu escritório no centro da cidade e deixou de financiar projetos sociais, depois que os últimos prefeitos começaram a ser investigados (um deles foi preso) sob a acusação de embolsar recursos dos royalties. A companhia só mantém as atividades nos três campos em Urucu - na selva, a 200 km de distância - e no restrito terminal do Rio Solimões, de onde escoa a produção de óleo e gás, a 30 minutos em lancha rápida da sede de Coari.
Atraso
Os salários do funcionalismo chegaram a atrasar quatro meses. Neste fim de ano o atraso caiu para um mês. Ninguém sabe direito quantos são os empregados da prefeitura. O prefeito Arnaldo Mitouso alega que ao assumir, em 2009, encontrou destruídos os computadores que armazenavam dados do quadro funcional. Na cidade, falam que são 8 mil empregados, mais de 10% da população de cerca de 76 mil pessoas. No primeiro semestre, 3 mil terceirizados foram demitidos.
A indústria do petróleo, iniciada em 1988 com a produção do primeiro poço em Urucu, atraiu a Coari milhares de pessoas, a grande maioria sem qualificação profissional adequada para o setor. A população dobrou desde 1991, de acordo com os censos do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). Eram 38 mil habitantes há 20 anos.
Os novos moradores passaram a ser empregados em funções mal remuneradas, como limpeza e trabalhos braçais em obras como o gasoduto Urucu-Coari-Manaus, inaugurado há dois anos, e o terminal do Solimões. Com o fim das construções e o afastamento da Petrobrás, aumentaram o desemprego, o subemprego e a criminalidade.
O delegado Luiz Veiga Martins, chefe da Polícia Civil na cidade, conta que o inchaço populacional fez crescer o número de assaltos e o tráfico de drogas.
"Muitas empresas se retiraram e ficou muita gente sem ter o que fazer. Ficou uma horda de gente, na verdade. Sinceramente, quando vim para cá, há quatro meses, não esperava essa quantidade de problemas. Pensava que era um município mais calmo, pois recebe muito mais dinheiro do petróleo do que os outros", disse ele.
Por dia, são presas três pessoas envolvidas com drogas e registrados 20 boletins de ocorrências. A média de homicídios em Coari é de um por semana. Além do titular, trabalham na delegacia oito investigadores e dois escrivães. Na Polícia Militar, são 35, dos quais dois oficiais.
Doenças
As precárias condições de higiene refletem-se na propagação de doenças entre os coarienses. Paulo David Braga, diretor do Hospital Dr. Odair Carlos Geraldo, conta que as diarreias são a maior causa de atendimento. O pescado é a dieta básica do habitante de Coari, mas a conservação em ambiente refrigerado praticamente inexiste. A venda de tucunarés, tambaquis, piranhas, pirarucus e matrinxãs ocorre na calçada em áreas movimentadas do centro. Tomados por moscas, a temperaturas que ao meio-dia chegam aos 40 graus centígrados, os peixes são, periodicamente, molhados com água retirada dos valões, numa tentativa de mantê-los apresentáveis.
Não há esgoto tratado na cidade. As valas com os dejetos da população, após percorrer quilômetros de aglomerados urbanos, seguem direto para o Lago Coari, junto ao Rio Solimões, que, 450 quilômetros abaixo, forma o Rio Amazonas, após o encontro com o Negro. O encontro das águas, logo depois de Manaus, é uma das mais conhecidas atrações turísticas do Estado.
Em Coari, a taxa de analfabetismo da população com mais de dez anos de idade, de 16,3%, supera em muito a do Amazonas, que é de 9,6%. Os professores queixam-se da sobrecarga de trabalho, da baixa remuneração e de atrasos no pagamento dos salários. As dez escolas da área urbana aparentam bom estado, o que não é suficiente para manter o aluno. Embora não haja dados oficiais, a evasão é calculada, por professores ouvidos pelo Estado, em cerca de 60% dos estudantes do ensino médio.
Sem infraestrutura, cidade vive no caos

A primeira impressão ao desembarcar no improvisado cais, após dez horas de viagem em barco desde Manaus, é de que em Coari o caos impera. Carregadores disputam quase no braço a chance de abordar os recém-chegados; embarcações circulam sem o mínimo ordenamento, o que provoca inacreditáveis engarrafamento fluviais; motos passam em velocidade em meio a pessoas e bagagens; charcos de esgoto formam-se no caminho até a cidade; botos cinzentos e rosados nadam e pulam à espera de comida jogada por meninos.
A impressão inicial torna-se certeza assim que o visitante se desvencilha do tumulto portuário. Em Coari, o meio de locomoção mais empregado é a motocicleta. São 15 mil, segundo cálculo pouco preciso da prefeitura. Em cima delas, podem estar até quatro passageiros. Não há respeito a pistas, faixas de trânsito e sinais luminosos. Os mototaxistas (em número calculado de 3 mil) ocupam as calçadas à espera de clientes. Os pedestres andam no asfalto, entre as motos e o esgoto que corre nas sarjetas. Por mês, 65 feridos em acidentes são hospitalizados na cidade. Os pacientes em pior estado vão para Manaus.
Surpreende também a quantidade de camelôs nas ruas. Vendem, principalmente, DVDs piratas e peixes. Amontoados no chão, os peixes não são pesados. A comercialização é por lotes. Dez piranhas presas em um arame custam R$ 10. A imundície se estende também aos legumes, verduras e frutas. Na rua em que é instalada todos os dias uma feira informal, no centro, as melancias ficam em contato direto com o chão tomado por excrementos.
A 450 km de Manaus pelo Rio Solimões, Coari fica em uma borda do lago Coari. O nome tem origem indígena. A versão mais aceita é a de que vem das palavras "Coaya Cory", que significam "rio do ouro". A cidade cresceu quase junto à margem direita do Rio Solimões. Não há estradas saindo de Coari. O rio é o acesso principal. De Manaus, lanchas que viajam a 60 km/h, com capacidade para cem passageiros, fazem o trajeto em até dez horas. As embarcações vagarosas, que levam até 300 pessoas, amontoadas em redes, navegam no mínimo 20 horas entre a capital amazonense e Coari.
A outra opção de acesso é aérea. Companhias regionais percorrem as principais cidades do interior do Amazonas em voos regulares. O aeroporto de Coari, em péssimo estado de conservação, esteve fechado no início do segundo semestre, porque a Agência Nacional de Aviação Civil (Anac) considerou inaceitáveis as condições da pista. O aeroporto já foi reaberto.

A expansão populacional não foi acompanhada pela melhoria da infraestrutura. Bairros surgiram do nada. Nessas ocupações não há esgoto, água tratada, coleta de lixo e arruamento. A última invasão ocorreu há 45 dias. A prefeitura devastou 12 hectares de selva amazônica para fazer um loteamento e uma estrada entre os bairros Grande Vitória e Pera. Castanheiras seculares, com 60 metros de altura, foram derrubadas. Não houve o obrigatório relatório de impacto ambiental antes da devastação. O Ministério Público do Estado abriu ação civil para apurar o crime ambiental.

A questão do lixo também é dramática em Coari. Inaugurado há quatro anos, o aterro sanitário municipal jamais funcionou. Os detritos são despejados em uma lixeira a céu aberto. Os rejeitos hospitalares vão para o lixão: seringas, gaze e materiais sujos de sangue. Como a coleta urbana é reduzida, toneladas de lixo acumulam-se sob as palafitas construídas nos igarapés (cursos d’água) que cortam a cidade.
Em uma delas, no igarapé Espírito Santo, mora a desempregada Jacilane Marciano Lima. Com 18 anos, é mãe de duas crianças. No casebre de madeira sem banheiro que divide com nove parentes, ela relata ter trabalhado dois meses para a prefeitura, antes de ser despedida. "Não me pagaram nem um salário", lamentou ela, queixando-se também dos mosquitos e dos ladrões.
  

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